Paula Scardino, presidente da ABS, especialista em instrumentação e controle de gases perigosos e irradiação de campo eletromagnético e idealizadora e criadora da NR 33 que trata de espaços confinados faz uma avaliação da Norma depois de 6 anos de sua publicação e sinaliza a necessidade de revisão geral da norma e melhor aplicação dos treinamentos.
“Havia um tempo que eu já estava estudando a questão dos espaços confinados a pedido da Telebrás, então um dia, no escritório da empresa que eu trabalhava encontrei Francisco Kulcsar, engenheiro da Fundacentro, que também estudava medidas preventivas para espaços confinados em galerias subterrâneas. A partir de troca de impressões e conversas sobre o tema começamos a discutir as questões e os riscos que envolviam espaços confinados, tivemos então a ideia de sentarmos e escrevermos a primeira proposta de norma sobre espaço confinado, na época NR30”, relembra a técnica em instrumentação e controle de gases perigosos e irradiação de campo eletromagnético, Paula Scardino.
“Foi assim que em 1995, nós coletamos as normas do mundo todo que falavam sobre espaços confinados para nos inspirar a elaborar e redigir a norma para atender a necessidade do Brasil, não foi cópia de nenhum outro lugar. Levamos 6 meses para fazer o primeiro projeto e protocolar no Ministério do Trabalho. Enquanto a norma não saía, nós nos utilizávamos da Revista CIPA para publicar os textos de propostas da norma, para já começar a orientar os profissionais de segurança sobre o check list sobre espaço confinado, entre outras coisas”.
Paula conta que iniciou na área de segurança do trabalho em 1993 a pedido do Ministério das Telecomunicações. “O governo pediu para a empresa que eu trabalhava uma maneira de estudar métodos de controle para evitar as mortes de trabalhadores em galerias subterrâneas, que é considerado espaço confinado clássico”. Foi ai que iniciei uma série de visitas a empresas da área industrial e era sempre muito dramático. Em toda empresa que chegava havia um óbito e nunca era um só, era sempre em decorrência do efeito dominó. Comecei a perceber que os profissionais da área de segurança não sabiam utilizar os detectores de gás e que no Brasil isso se tornou completamente vulnerável, porque ninguém lia o manual de operação dos aparelhos, ninguém sabia que os detectores de gás tinham que ser testados e calibrados. Certa vez, um técnico para testar um detector de gás jogou gás de isqueiro em cima da grade do sensor, levando o equipamento a over flow que é considerado acima de escala, matando o sensor e com esse mesmo equipamento liberando entrada de trabalhadores em espaços confinados, com o sensor já morto”.
“Na época, anterior às NBRs sobre espaço confinado e a NR 33, nós matamos muitas pessoas usando somente explosímetros para medir atmosfera saturada de gás, quando ninguém lê o manual para saber que o explosímetro não alarmaria, porque não havia oxigênio e o princípio do sensor era por combustão, sempre foi, combustão catalítica e para o aparelho funcionar necessitaria de oxigênio. Então imagine uma galeria subterrânea cheia de gás metano, colocar um explosímetro para medir a quantidade de gás e o detector indicar zero de presença de gás, mas na verdade esse zero era falso, e a galeria estar repleta de gás. O técnico liberar a entrada de pessoas e por não ler o manual e desconhecer o funcionamento do equipamento matar trabalhadores.” Foi dessas experiências que Paula teve a ideia de criar uma norma específica para espaços confinados.
Ainda de acordo com ela o que mais a preocupa hoje em dia são profissionais técnicos e engenheiros que entendem possuir um leque de conhecimento técnico vasto, aplicar treinamentos com informações erradas. Paula diz que vê muitos treinamentos de NR33 em que estão ensinando que se um trabalhador no interior do espaço desmaiar existe um sistema de tripé no espaço confinado em que o vigia vai içar o trabalhador para fora. “Isso está sendo ensinado em 90% dos cursos ministrados no Brasil. Ora, qual é o princípio de salvamento? Se você encontra alguém acidentado na rua, o primeiro princípio é não mexer na vítima e chegamos nos espaços confinados e o primeiro passo é içar a vítima? O vigia possui rádio comunicador e deve chamar o resgate, e só. Ele não tem treinamento para salvamento e resgate.”
“Foi daí que alteramos a palavra resgate técnico descrito na primeira versão da norma para salvamento em espaço confinado. Salvamento significa 4 em 1. Localize a vítima, dê os primeiros socorros, remova, encaminhe para pronto atendimento. Não podemos aceitar isso, porque na retirada errada do colaborador podemos fazê-lo fraturar algum membro ou mesmo deixá-lo paraplégico devido as interferências e especificidades de cada interior do espaço confinado. O içamento acarreta uma multiplicação de força violenta”, ressalta a técnica e criadora da norma a respeito do que vem sendo feito no dia a dia.
Paula conta que há cerca de alguns meses uma empresa com uma vasta área de concessão no estado do Rio de Janeiro colocou como procedimento de salvamento, chamar os bombeiros, 193. Na área de trabalho não havia sinal de celular. “Isso significa má gestão. É preciso uma viatura, com equipamentos adequados ao salvamento e equipe especializada.”
Segundo a técnica em instrumentação e controle de gases perigosos, outro erro gravíssimo cometido em espaços confinados é a medição dos gases somente pelo lado de fora, visto que existem espaços com geometrias muito complexas. “Com uma mangueirinha joga na vertical e horizontal e pronto. Os supervisores não entenderam. É preciso fazer a primeira medição fora e depois entrar para medir. E são necessários levar 4 equipamentos básicos: um rádio comunicador, uma luminária, uma lanterna e um detector de gás, que sejam para zonas de alta probabilidade de presença de gás. Intrinsecamente seguro é apenas uma parte da marcação do equipamento, ninguém conhece o resto.”
“O que dá para notar é que não há gestão de espaço confinado, o correto é o supervisor de entrada assinar uma Permissão de Entrada e Trabalho - PET desde que haja um plano de emergência e salvamento. Percebo que a grande maioria está assinando que tem, mas não tem.”
Apesar de encontrar muitos desvios em campo e no próprio treinamento ministrado pelos profissionais da área técnica, Paula sinaliza que cenário está bem melhor. Antes, havia muitas mortes e hoje este número caiu consideravelmente.
Uma das atitudes que ela pretende tomar é reativar o Comitê Técnico sobre Espaços Confinados na Agência Brasil de Segurança para discutir as mudanças na NR 33 e encaminhar a proposta de revisão geral da norma para a CTPP (Comissão Tripartite Paritária Permanente) e as representações que a compõem, já em 2013.
Fonte: Agência Brasil de Segurança, por Patrícia Pontes, 31.03.2014