Acidente de trabalho é uma das matérias que mais fomentam o contencioso trabalhista. Ocorrem especialmente quando a empresa lida com trabalhadores braçais ou que se utilizam de maquinário rústico para exercer a atividade laborativa. São muitas demandas na busca de responsabilização do empregador nesses casos, algumas desenvolvendo teses de responsabilidade objetiva, outras apenas relatando o ocorrido.
O que nos conduz para uma crítica aparte. É de se lamentar a quantidade de inicias apresentadas à Justiça do Trabalho sem embasamento fático e legal, trazendo informações genéricas com escopo de obter valores que resultam da sonhada “causa ganha”. Sonhada, talvez, pelos advogados medíocres, que veem na redação de uma bela peça processual, com coerência e fundamentação de teses jurídicas, um martírio e não uma grande aventura.
Retornando ao ponto principal, a empresa deve sempre responder pelo acidente de trabalho causado aos seus funcionários? Como tudo no mundo jurídico, “cada caso é um caso”, então não temos como fornecer uma resposta certeira e simplista como “sim” ou “não” sem antes averiguarmos as nuances do caso sob análise.
O que se busca aqui é introduzir um questionamento para o qual o senso comum, ou mesmo estudiosos do Direito, fornece sempre a resposta pronta de que a empresa será responsável por tratar-se o empregado de parte vulnerável. Ocorre que nem sempre essa é a solução fornecida pelo próprio Direito. Em determinadas situações, a empresa deve ter a responsabilidade afastada, ainda que seja esta objetiva em razão de a atividade exercida pelo reclamante ser de risco.
Esse foi o entendimento-resposta da Corte Maior trabalhista, TST, para o pleito de responsabilização objetiva de reclamante caminhoneiro acidentado na estrada. O empregado pleiteou a responsabilidade objetiva da empresa em indenizá-lo por danos morais e materiais por acidente em estrada ocorrido quando transportava para a empregadora, que resultou na amputação do braço direito do motorista.
Em defesa, a empresa informou que os veículos fornecidos estavam em boas condições de conservação e que o acidente havia ocorrido apena em virtude de o reclamante ter efetuado parada em local não autorizado e aceitado bebida alterada de estranho, desenvolvendo-se a tese de culpa exclusiva da vítima.
O pleito foi indeferido pelo juízo de piso, contra qual o reclamante interpôs recurso. Tanto o Tribunal Regional, quanto o Superior, acataram a tese patronal, entendendo que o acidente resultou da negligência do empregado, restando configurada a culpa exclusiva da vítima. A relatora, ministra Maria de Assis Calsing, entendeu ser a responsabilidade da empresa objetiva, vez que tratava-se de atividade de risco, mas, diante da culpa exclusiva do reclamante, a responsabilidade restou afastada.
Seguindo esse entendimento, é provável que a solução jurídica para os casos de culpa do obreiro seja o afastamento da responsabilização da empresa.
Um exemplo cristalino de culpa exclusiva da vítima é a inobservância do empregado para com as normas de segurança indicadas pela empresa das quais o vitimado detinha conhecimento, sendo configurada a culpa. Se tal negligência resultar em acidente e o conjunto probatório demonstrar a desobediência do reclamante para com normas de segurança, resta afastada a responsabilidade da empresa, ainda que objetiva, conforme entendimento esposado pelo TST.
Sabe-se que a culpa exclusiva da vítima é uma das causas excludentes da responsabilidade. Portanto, não cabe qualquer ressarcimento de danos nesses casos. Não há que se impor ao empregador a responsabilidade de indenizar quando, pelo conjunto de provas dos autos, conclui-se que foi a própria vítima que, agindo por conta e risco, causou a si mesma acidente.
Este já era um entendimento adotado pela Justiça Trabalhista. Vejamos:
ACIDENTE DO TRABALHO QUE RESULTOU EM FRATURA DA MÃO DO RECLAMANTE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E INDENIZAÇÃO POR DANO ESTÉTICO. DIREITO QUE NÃO SE RECONHECE. Provado que o acidente do trabalho decorreu de culpa exclusiva da vítima, não há que se falar em indenização por dano moral e indenização por dano estético, pois inexistente ato ilícito por parte da empregadora (art. 927 da CC). (TRT08 – RO: 00016834620155080019, Relator: JOSÉ EDÍLSIMO ELIZIÁRIO BENTES, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 23/06/2017).
Não se pode atribuir a negligência do empregado como responsabilidade do empregador, se este já havia exercido o seu poder disciplinar sobre o autor, em cumprimento do disposto no artigo 158, parágrafo único, inciso I, da CLT.
Isso porque o art. 157, inciso II c/c 158, inciso I e II da CLT determinam que o empregado deve obedecer às normas de segurança do trabalho instituídas pela empresa, que são de cumprimento obrigatório por todos, tendo força de lei. Todos os funcionários devem dar cumprimento ao regramento em alusão, não podendo o reclamante alegar desconhecimento da lei para se eximir de responsabilidade, de acordo com o Art. 3° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Interessante analisarmos casos que fogem da solução comum, pois isso não deve passar despercebido. Observa-se que, no exemplo de culpa exclusiva do obreiro, ainda que este seja a parte vulnerável da relação, deve ser afastada a responsabilidade do empregador sob pena de ir contra o próprio entendimento do ordenamento jurídico.
É preciso cautela dos Tribunais na análise de causas em que já se presume a existência de parte vulnerável, o que ocorre em demandas trabalhistas ou consumeristas, sob pena de incorremos contra o próprio entendimento jurídico ao, de pronto, deferir pleitos favoráveis aos presumidamente vulneráveis.
(*) Laírcia Vieira Lemos é Advogada especialista em Direito Imobiliário e Contencioso Trabalhista – patronal. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Clube Atlas.
Fonte: JOTA, por Laírcia Vieira Lemos, 30.01.2018